sábado, 14 de novembro de 2009

Simetria

Varado na noite, aproximadamente 24 horas sem dormir, tomando uísque "Elis Regina" desde as 9 da manhã, um grupo de moleques pede para que ele se acomode de fronte a câmera.

- Vira o seu rosto um pouquinho pro outro lado? O seu rosto estava para lá no take anterior.

Pra ele tanto faz, por isso mexeu como lhe foi pedido, mas acrescentou:

- É assim? Só não vai me deixar simétrico nisso aí.

Dance! Dance! Dance!

No cruzamento da Avenida Paulista com a Rua Augusta, quase toda noite, acredito, o velhinho aproveita o mar de carros da cidade, o trânsito parado e a pouca paciência dos paulistanos para tirar um sarro.

*** Claro, "tirar um sarro" sou eu quem está falando ***

Bem em cima de uma casinha de lixo de concreto, ele põe seu fone de ouvido, sua jaqueta jeans e uma bermuda, e passa a noite dançando consigo mesmo ao som de alguma música muito próxima ao reggae, em vista do modo como dança.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Incrédulo

A moça bonita, maquiada e vestida de cinza para o escritório passou em frente ao homem magro sentado no chão.

-Moça me dá cinquenta centavos pra comprar uma comida?

A moça continuou o passo e só balançou a cabeça, impaciente.

O homem magro, não acreditando na moça, levantou o dedo do meio.

Na madrugada, filmavam na rua, ninguém podia passar naquele momento.

Ramiro Seixas atendeu ao pedido e descançou sua carroça.

-Se for pra TV eu posso fazer uma aparição se vocês quiserem.

-Legal, mas aqui estão fazendo um curta. Não é TV não.

-Ahhm, é curta.

Ramiro observou atentamente, provavelmente não sabe o que é um "curta".

Na trazeira de sua carroça, a foto de Raul Seixas deixa clara a similaridade apenas na barba.

Conversa

Em meio à multidão que andava eficiente de volta do horário de almoço, os três conversavam alegremente.

Os dois negros, com camisas rasgadas e chinelos velhos falavam com o carroceiro alto e sem destes.

Deveria ser algo engraçado pois o carroceiro balançava a cabeça afirmativamente e ria tão alto que as paredes de prédios ressoavam aquela alegria imbecil.

domingo, 18 de outubro de 2009

"Domingo no Parque"

É domingo, dia de passear com a família.

Ao sairem de casa as quatro crianças pularam o mendigo que dormia bem na porta que dá direto para a rua.

A mãe olhava enquanto fechava a porta.

Ela não quis incomodar.

sábado, 17 de outubro de 2009

Fuga do ordinário

Filmavam no beco sem saída, a locação ideal para a narrativa.

Do outro lado, os moradores do beco, que dormiam sobre o lixo, se aproximaram para conhecer a "televisão".

- Não é reportagem, é curta pra faculdade.

Ao fim da noite todos tomaram seus rumos: os alunos iam para os carros e os moradores iam para outras regiões da cidade. 

Ao fundo, um morador ainda dormia. Morrera de overdose durante a noite, sem ninguém perceber.

São poucos os que fogem do tédio.

sábado, 3 de outubro de 2009

Casa

- Vamos descer por aqui que é mais fácil, tem uma passarela que dá direto na rua de baixo, sem ter que desviar. Só tem um casal que mora alí, eles estão lá quase todo dia, mas é de boa. Eu nunca senti nenhum cheiro.

Quase no fim da passarela que dá pra rua de baixo, ao lado do muro da escoa particular primária estão algumas caixas com roupas, algumas garrafas de plástico e embalagens vazias de produtos de limpeza. 

Por trás das caixas, bem no meio da passarela está o casal deixado em um "colchão" de espuma marrom e cobertos por um pelego cinza.

Passamos bem ao lado de sua cama.

Eles nem se importaram com a nossa presença e continuaram conversando.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Hora de dormir

Noite, o comércio já está fechado.

Sobre a carroça, uma lona preta serve de teto e parede.

Uma criança pequena entra na "barraca".

A luz azul que vem de dentro e o som murcho de um âncora qualquer deixam claro:

Eles têm uma tevê.

Homem, branco, magro, barba por fazer.

Todos os dias ele está sentado à porta da igreja.

Ela não tem a fachada de uma igreja normal, parece mesmo um prédio qualquer com um crucifixo pelo lado de dentro da porta.

Mas me parece que ele escolheu alí por ser mesmo uma igreja. Assim é mais fácil conseguir alguma simpatia. 

Para cada senhora que entra, um sorrizo amigável. Para cada garota que passa, uma leve torcida atenta no pescoço.

Dois palhaços animados.

Vermelho no semáforo.

Os dois rapazes fantasiados de palhaço fazem reverência na frente dos carros.

Enquanto um faz malabares o outro toca, animado, um intrumento feito de cano de butijão de gás e funil.

Eles mesmos batem palmas.

Alegremente, trocou seu funil por um pente do qual faz uam gaita. O outro tirou o chapéu para arrecadar as moedas dos carros.

Homem, negro.

No meio da rotina me cortou a atenção:

- Tem um real para interar o almoço?

Atrás de mim, sentado, a voz calma porém decidida me perguntara.

Mexia em alguma caixa que provavelmente tráz consigo.

Chapéu "rasta" vermelho e uma blusa de lã também vermelha.