terça-feira, 23 de novembro de 2010

Pra dormir

- Moço, você não pode dormir aí.
A garçonete do restaurante vegetariano sorri preocupada pro mendigo que, sem graça, pede desculpas, se levanta e vai pegando sua coberta e seu papelão.
De longe outro mendigo grita:
- Joga água nele! Joga água nele!
A garçonete, já na porta do estabelcimento olha e sorri meio sem jeito:
- Não, não vou jogar água não.
O outro mendigo continuou sua procura por um lugar pra dormir.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Seus males espanta

Enquanto eu tocava a gaita ele apareceu na minha frente, parado, mudo, preto e com os músculos pequenos mas definidos. Segurava a camisa com as mãos e, com os dedos fazia um movimento de alguém que limpa uma poeira sobre o ombro.
Fiquei assustado com a forma com que ele me olhava profundamente, sem piscar ou mexer a cabeça. Para não demonstrar medo eu comecei a assoprar e puxar minha gaita, dando continuidade à música alegre que estive tocando até então.
Ele fechou os olhos e bambeou a cabeça para trás, mexeu as pernas, mexeu os braços, dedilhou na sua camiseta suada e começou a levantar os braços e a rebolar ao som do blues.
Aquilo tudo foi muito estranho.
Por fim, ele agradeceu com um grunhido estranho e foi incomodar os passantes.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Sentado na calçada, debaixo da árvore, ele mastigava alguma coisa grande.
Toda a atenção foi voltada para o que mastigava.
Seus olhos estavam abertos, fixos e secos, como a pele dos seus pés.

Outra vez

De uma pequena vila ao lado do Minhocão saiu todo vestido de preto e um chapéu.
De tão grande, pouco importa seu nome, importa o que ele faz. Ninguém quis perguntar.
De frente à sua casa uma mulher loira de calças jeans anda de um lado para o outro entrando e saido pela porta e carregando suas chaves na mão.
De dentro de outra casa da vila uma velha abre a janela e volta para dentro.
De longe um garoto grita: "Pode ir deixando tudo aí! Não vai tirar nada não!"
Devagar o homem de preto passa ao nosso lado: "Estão despejando esses aí"

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Marmitas dentro de um saco plástico.
Cada um leva a sua.
Cada vida que não será.

sábado, 28 de agosto de 2010

Estava deitado no chão dormindo e gemendo baixinho,
E sua perna tremilicava de vez em quando.
Por não ter como passar, pulei por cima dele.

domingo, 1 de agosto de 2010

- Tem algum dinheiro pra me dar?
- Não tenho, cara.
- Então me dá um gole dessa cerveja?
- Foi mal, acabou, ó.
- Então me dá a garrafa?
Entregou a garrafa, cada um foi pro seu lado e, segundos depois, ouviu sua garrafa sendo deixada a rolar no chão. Um grande dum filho da puta.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Não, saibam que isto está errado.
Vocês e seus chapeuzinhos malandros, seus coletes pretos da moda, corte de cabelo a R$65 e cerveja pra achar que sabem como viajar. Cerveja paga pelos pais.
Cantar "legaliiiise" pros seus amiguinhos, coisificar a metafísica, só para pegar alguém as 2 da manhã na calçada. Vocês nunca vão entender o que estão dizendo.
São casca sem conteúdo; então parem de atormentar.
Uma pequena mala velha deixada no canto do muro.
Chegou com pressa ao lado dela e, de um pequeno saquinho
Fez um círculo de sal ao seu redor e sentou.

Fim de tarde na calçada.

Feliz, sentado na calçada. Ao seu lado uma garrafa de água cheia até a boca de suco amarelo.
Uma garrafinha de pinga barata, pela metade é aberta enquanto seu amigo chega com outra garrafa de água com pouco suco.
- É desse suco que você tá tomando?
- É desse - confirma feliz.
A garrafa de pinga se esvazia enquanto enche a nova garrafa de suco.

sábado, 17 de julho de 2010

Deitado na calçada, encostado na mureta, a mão dentro das calças.
Do outro lado da rua, na lan house, a atendente de calças coladas conversa com o cliente.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Parou para esperar o sinal abrir. Em sua mão, uma corda amarrada em diversas latinhas de cerveja e refrigerante amassadas que arrastavam pelo chão. Aquilo era o seu carrinho, ou seu animal, ou sua companhia pelas ruas.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Parou sua carroça cheia de papelão na frente do bar e voltou com 4 coxinhas:
Uma pra ele, uma pro garotinho e uma para cada garota.
Subiram a avenida a pé.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Batatinhas

Enquanto saída de seu almoço, com a embalagem vermelha de batatinhas já pela metade.
Desviando de seu caminho, colocou a embalagem ao lado da cabeça que dormia na calçada.
Mais uma boa ação, mais um almoço, mais uma terça-feira.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Tempo?

"Num dá mais tempo pra nada, num dá mais tempo pra nada"
Falava consigo mesma enquanto tentava, descalça, atravessar a rua.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Defecar

Na ida para o trabalho passou ao lado de um garoto que, agachado no canto de algum muro, abaixava as calças.
Na volta, fezes no chão.

Não lembrava o rosto do garoto, mas pensou em não usar mais sapatos dentro de casa.

sábado, 8 de maio de 2010

Pelo vento

- Você conhece o Brasil?
- Não, nunca fui pra cima do estado de São Paulo.
- Mas não tem vontade de conhecer?
- Tenho muita.
- Eu já fui até o Espirito Santo a pé.
E também já tinha ido à Bahia e muitos outros estados brasileiros.

Moeda II

De longe avistou as duas moças magras.
Não eram moças, mas pretendiam ser.
- Por favor, só falta cinquenta centavos pra interar, por favor, só cinquenta centavos.
- Foi mal, não tenho.
Já estava pedindo para o próximo passante.

Moedas I

Saiu do supermercado com compras na mochila e uma pizza congelada na mão.
- Oi, dá uma moeda.
- Não tenho.
- Tem sim, dá uma moeda aí.
Cara-a-cara: - Não tenho. Mesmo.

Não tinha mesmo moeda alguma.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Dos "Ais"

Ai. Ai ai ai. Ai ai ai ai.
Eu sou o "ai-ai-ai".
Ai ai ai.
Bom dia.
Ai ai ai

E é assim que ele faz musicalmente todo o dia de manhã até conseguir uma marmita.


sábado, 27 de fevereiro de 2010

Entrou no restaurante de esquina com sua caixa de engraxate e se sentou no balcão.
Todos viram, mas emularam.
Dois amigos chegaram e se sentaram ao seu lado.
O balconista quis saber: quê vocês querem?
Um dos amigos que havia chegado respondeu "uma coca, pra cada um".
Pagou, foi embora, e o engraxate, com a sua lata fechada na mão, continuou alí, olhando para a chapa do chapeiro.
Uma coca-cola não seria o suficiente.

Louco na rua

Era meio-dia e ele pintava a parede do prédio com um rolo de tinta preso por uma aste bem alta.
Subindo a rua, descalço e com as roupas rasgadas, um pote de plástico vazio na mão, resolveu soltar do meio de sua barba não-feita e suja sua indignação: "já não falei que era pra você pintar aquele outro lado do prédio?".
O pintor olhou e não deu ouvidos.
A fila que esperava na calçada para entrar no restaurante de comida natural riu.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Estava sentado com o olhar fixo e as costas curvadas, uma garrafa d'água ao seu lado quase vazia.
Com certeza hoje não vira a luz do sol: dormiu o dia todo pois não havia sentido em acordar (e ontem não havia sentido em dormir).
Para tentar quebrar a rotina, fixou o olhar na luz,
Mexeu os dedos e clicou em
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Mudança de rumo

Entrou no ônibus pagando a passagem:

"Muito bom dia, minha gente. Eu venho aqui hoje, eu acabo de sair do Hospital das Clínicas onde minha filha está internada, ela teve tumor e não pôde amamentar minha neta. Eu vim pedir pra vocês uma ajuda para comprar o leite dela. A mãe dela não pode amamentar e o médico mandou tomar o leite em pó do tipo 1, e assim que ela estiver com mais idade, então vai passar para o tipo 2.
Eu trabalho como catador de papelão e ganho vinte e cinco reais por dia. Agora não estou trabalhando para poder comprar as latas de leite pra minha neta.
Eu só queria pedir pra vocês uma ajuda. Qualquer coisa serve, aquilo que puder dar já ajuda, e Deus não vai deixar faltar nada pra vocês".

Ele passou arrecadando. Não havendo mais ninguém, ficou parado perto da porta esperando o ônibus parar.
Uma velha, de óculos escuros, que estava ao lado do homem, deve ter ficado envergonhada de não ter ajudado o pobre homem que estava ao seu lado esperando para descer, pois o chamou e abriu a bolsa.

"Obrigado, senhora. Mas o que é isso?" Apontou para uma mancha branca abaixo do pescoço da senhora.

"É vitiligo", e parou de olhar o pobre homem, que prosseguiu:

"É um pouco estranho, mas não passa. Tem gente que tem medo de relar, mas não passa".

A velha só respondeu com um "Uhum" sem nem olhar para o homem.



/////// BONUS TRACK -> Rogério Skylab - Jesus